A chef Roberta Sudbrack, de 51 anos, nasceu em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, e desde a infância tem como uma de suas características a vontade de aprender. Com uma formação autodidata, ela foi eleita em 2015 a melhor chef mulher da América Latina pela revista inglesa Restaurant , mas poucos sabem que, na verdade, seu sonho era ser veterinária.
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Nesse papo, nossa chef do mês de novembro comenta como começou seu interesse pela gastronomia e as delícias e dificuldades da carreira. A entrevista faz parte de uma série do iG Receitas que apresenta mensalmente a história de um cozinheiro profissional.
Já falamos sobre a jornada de Henrique Fogaça , Erick Jacquin , Irina Cordeiro , Alex Atala , Claude Troisgros e Carole Crema , a criadora do brigadeiro de colher. Agora vamos à cozinha da avó de Roberta Sudbrack , onde a chef teve o primeiro contato com a culinária caseira e familiar, que contribuiu muito para a definição de seu estilo gastronômico.
"Desde que me sentava na cozinha com a minha avó, esperando pelo seu frango ensopado com polenta, me encantava o gestual, o capricho, os movimentos, os cortes", relembra Roberta.
A chef se espelha, inclusive, nesse tipo de culinária em seus pratos. "A minha inspiração vem desse dia a dia, das mulheres simples que cozinham Brasil afora, suas panelas de alumínio areadas, seus tachos de cobre, suas colheres de pau", conta.
Ela afirma que seu estilo é a "cozinha moderna brasileira", totalmente referenciada no país. "É uma cozinha que olha para o ingrediente brasileiro com respeito e reverência e oferece uma linguagem estética para sua expressão. Encaro a comida como um fio condutor para unir tempos e isso para mim sempre vai envolver tradição e modernidade", esclarece a chef.
Alguns dissabores da vida
Apesar de nascer em Porto Alegre, a gaúcha morava com os avós em Brasília, e a família passou a enfrentar dificuldades financeiras após a morte de seu avô. Roberta, entretanto, não se abateu e decidiu vender cachorro-quente nas ruas do Distrito Federal para ajudar com as despesas.
O pequeno negócio se tornou próspero e possibilitou que ela arrecadasse dinheiro suficiente para viajar aos Estados Unidos e tentar custear a faculdade dos seus sonhos: veterinária . "Nessa época, fui morar sozinha e tive que aprender a cozinhar para mim mesma", diz.
"Sempre gostei do ambiente da cozinha e de livros de receitas, muito mais do que gibis. Mas nunca tinha efetivamente colocado a mão na massa para cozinhar. Nem para mim, muito menos para os outros", comenta ela.
Completamente autodidata
Roberta ressalta que sua formação autodidata é fruto da "obsessão" por fazer o melhor na profissão. Ela aprendeu o passo a passo da cozinha por meio de um cronograma de estudos que equilibrava as panelas e temperos com o curso de veterinária. "Tenho muito esse sentido empírico do conhecimento, o que me faz utilizar muito a experimentação", ressalta.
Além disso, a cultura e a culinária dos locais que ela visita são fundamentais no processo de aprendizagem. "Uso muito as viagens, não só os restaurantes dos lugares, famosos ou não, mas os mercados locais, as feiras, os supermercados, as pessoas, os balés, as exposições de arte, a música e, acima de tudo, os livros, sejam de cozinha, de arte, poesia, tudo está interligado com a gastronomia", complementa Roberta.
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Dá água para o vinho
Ao perceber que o desejo de cuidar dos animais tinha dado lugar à vontade de ser chef de cozinha, ela saiu da faculdade e retornou ao Brasil, com muito apoio da avó. "Descobri finalmente o que tinha vindo fazer no mundo! A partir daí, a minha obstinação falou mais alto e eu decidi que, custasse o que custasse, eu seria uma cozinheira", enfatiza ela.
Seu estilo de cozinha não demorou a fazer sucesso, e seus pratos encantaram até o então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, e ela se tornou a primeira chef de cozinha mulher do Palácio da Alvorada, onde ficou por sete anos.
"É claro que não foi das tarefas mais fáceis, mas foi um desafio muito interessante. Aprendi muito com a disciplina e a hierarquia dos militares, que, afinal, são fundamentais numa brigada de cozinha", conta a chef sobre a oportunidade. "Foi uma vitória de toda a equipe e uma experiência única para qualquer cozinheiro", acrescenta.
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Rumo à cidade maravilhosa
Em 2005, Roberta partiu para o Rio de Janeiro, onde vive até hoje. Lá ela abriu os empreendimentos 'Sud, o Pássaro Verde', 'Da Roberta' e 'Arp'.
"O 'Sud, o pássaro verde' é um lugar que eu gostasse de estar de novo. Uma cozinha simples e um serviço descomplicado. Sem excesso nenhum. Com muita liberdade e protagonismo absoluto dos ingredientes e do artesanato brasileiro. O Sud é um convite à familiaridade e à confiança", explica.
O 'Da Roberta', por sua vez, instiga a cultura do street food. "Surgiu de uma vontade de criar no Rio um tipo de bar com comida descomplicada e acessível feita apenas com ingredientes exclusivos e artesanais, num diálogo temático e físico com a rua e suas manifestações artísticas e de comportamento", diz a chef.
O 'Arp' é um bar à beira mar, localizado no hotel Arpoador. "Para mim, foi instantânea a vontade de recriar na cozinha essa atmosfera de pés descalços e de bem com a vida que a localização do Arpoador inspira. Os pratos são simples, preparados com ingredientes frescos, em sua maioria orgânicos e de pequenos produtores brasileiros", conta Roberta.
É preciso coragem
A profissional ressalta que a coragem sempre foi palavra de ordem na sua vida, em especial na carreira gastronômica. "Coragem antes, durante e depois. Antes, porque envolve escolhas, decisões, caminhos a serem desbravados. Durante, porque, diferentemente do que se pensa, é uma profissão que envolve mais sacrifícios do que glamour. E depois, porque quando você termina uma jornada de trabalho nas altas horas da madrugada, já tem que começar a pensar na próxima", pontua.
Essas atitudes propiciaram reconhecimentos como o da revista Restaurant , que a elegeu a melhor chef mulher da América Latina em 2015. Contudo, Roberta afirma nunca se pautar por prêmios.
"Eles aconteceram como resultado de um trabalho sério e apaixonado. Os prêmios não mudam em nada a minha vida, ou a maneira como eu encaro e interajo com a cozinha. Cozinha é sentimento, devoção, entrega", garante ela. "Prêmio bom é aquele que vem como reflexo daquilo que a gente faz por convicção", finaliza Roberta Sudbrack .
Receita
A chef apresenta o passo a passo da sua receita de arroz de frutos da terra, um prato nutritivo e rico em variedades, para você sentir o gostinho da "cozinha moderna brasileira" sem sair de casa.