O que começou com uma "circunstância não planejada de viagem" no exterior despertou em Alex Atala, de 51 anos, uma vontade que ele nem imaginava ter. Natural de São Bernardo, na Grande São Paulo, o chef partiu rumo à Europa com apenas 18 anos e um sonho na bagagem: viver de música. Acabou virando um cozinheiro profissional. 

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O chef Alex Atala coleciona prêmios gastronômicos, mas sua jornada na cozinha começou sem essas pretensões
Divulgação/Rubens Kato
O chef Alex Atala coleciona prêmios gastronômicos, mas sua jornada na cozinha começou sem essas pretensões


Em entrevista ao iG Receitas , Alex Atala , nosso chef do mês de agosto, dá detalhes sobre a sua carreira. A reportagem faz parte de uma série do site que apresenta, mensalmente, a história de um cozinheiro profissional. Já falamos sobre a jornada de Henrique FogaçaErick Jacquin e Irina Cordeiro .

Agora, é a vez do premiado Atala, dono dos restaurantes D.O.M. e Dalva e Dito. Por isso voltamos àquela viagem para fora do Brasil na juventude do nosso chef. Ele, assim que atingiu a maioridade, quis se arriscar para ser músico e viu a possibilidade de alcançar o objetivo na Bélgica.

Fazia de tudo para arcar com os custos de vida no exterior, e atuava até como pintor quando necessário. Entretanto, era preciso conquistar um visto permanente se quisesse continuar vivendo por lá, e assim se iniciou a vida gastronômica de Atala.

Quando eu entrei na cozinha, nunca pensei que poderia passar o resto da minha vida lá"

"Para conseguir um visto de permanência, tive de me inscrever em uma escola. Um amigo na mesma situação fazia curso de cozinha. Fui com ele e me matriculei na Escola de Hotelaria de Namur", conta o chef. "Quando eu entrei na cozinha, nunca pensei que poderia passar o resto da minha vida lá", diz.

"No momento inicial, foi assustador. Comecei como auxiliar de cozinha, descascando batata, lavando louça. Não me via fazendo parte de uma engrenagem sincronizada como aquela. Quase desisti", destaca.

As perspectivas, no entanto, mudaram pouco depois. "Quando entrei em contato com os peixes e vegetais frescos, com as estações das caças, das trufas, dos cogumelos... Vi minhas referências de vida se encontrando", ressalta o chef.

E assim ele não saiu mais da cozinha. Desde então, Atala já passou pelo restaurante Jean Pierre Bruneau e estagiou no Hotel de la Cote D’Or. Depois, já esteve nas cozinhas de Montpellier, na França, e Milão, na Itália.

"Sou diferente, sou brasileiro"

Alex Atala
Divulgação/Ricardo D'Angelo

"Eu sou tatuado, sou diferente, sou brasileiro", diz Atala sobre a culinária de seus restaurantes

Embora tenha atuado em diversos restaurantes espalhados pelo mundo, Atala optou por enaltecer a gastronomia brasileira em seus empreendimentos. Tanto o D.O.M. quanto o Dalva e Dito, localizados no bairro Jardins, em São Paulo, são voltados para a culinária nacional.

"Eu sou tatuado, sou diferente, sou brasileiro. Isso é o que eu sou. Se eu sou diferente, então serei diferente. Eu posso não ser capaz de, por questões culturais, fazer um jantar francês tão bem quanto um chef francês, mas então, por essa lógica, ninguém poderia oferecer uma experiência de jantar brasileiro melhor do que eu", explica ele.

O chef afirma ter contato com os ingredientes brasileiros desde a infância, e por isso investiu nesse projeto. "A excelência você só alcança com repertório. Com a ajuda dos ingredientes que vêm da nossa terra fica fácil conseguir esse repertório e, ao mesmo tempo, ajudar o pequeno produtor que trabalha esses ingredientes", salienta.

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O D.O.M. e o Dalva e Dito

Apesar de trabalharem com o mesmo nicho, Alex Atala garante que as propostas de seus dois restaurantes são distintas. "No D.O.M., praticamos cozinha autoral brasileira, então criamos pratos a partir dos conhecimentos e bases que temos, mas sempre experimentando coisas novas que ressaltem os ingredientes da nossa terra", diz. "Mas a cozinha tradicional, aquele 'tempero da vovó', é essencial para a cozinha criativa do D.O.M. e de qualquer outro restaurante", complementa.

Você viu?

Já o Dalva e Dito tem uma relação mais afetiva: "É a representação da cozinha que, de uma forma ou de outra, fez nascer o D.O.M. (ainda que o Dalva seja 10 anos mais novo do que ele). Lá você vai encontrar a cozinha das senhoras brasileiras, das nossas referências de mãe, avó, tia e sogra."

E lembra da história da música lá do começo, que moveu Atala a se mudar de país? Ela segue presente na vida do agora empreendedor, que apresenta referências da música para reforçar a importância de ser criativo e tradicional na cozinha.

"Um bom compositor precisa ser um bom músico; um cozinheiro que quer criar novas receitas precisa ter bases fortes de cozinha clássica, e essas bases passam, sim, pelo tempero da vovó", comenta.

Do restaurante de Alex Atala para sua casa


O chef também ensina a fazer ravióli de vatapá com pupunha e leite de coco para você sentir o "tempero da vovó" de uma receita característica de seu restaurante voltado à gastronomia brasileira.

Espaço para novos chefs no Brasil

Nesse papo com o iG Receitas , Atala também falou sobre suas perspectivas em relação ao mercado brasileiro na culinária, e acredita que o País tem potencial para se igualar à França, Itália e Espanha nessa área. "Tenho muita dificuldade de dizer qual seria a melhor cozinha do mundo (francesa, italiana, espanhola, japonesa). Tenho absoluta convicção que a brasileira não é a pior", opina.

Tenho muita dificuldade de dizer qual seria a melhor cozinha do mundo (francesa, italiana, espanhola, japonesa). Tenho absoluta convicção que a brasileira não é a pior"

De acordo com ele, o que levou esses locais a se destacarem na gastronomia foram ingredientes e chefs bons.

"Bons ingredientes, o mundo já sabe que nós, brasileiros, temos. O que talvez muita gente não saiba é que em lugares como Belém do Pará, Manaus, Curitiba, Mato Grosso, Espírito Santo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Goiás, existe uma legião de novos chefs talentosíssimos", conta Alex Atala.

"Esses garotos e garotas precisam ser reconhecidos não somente através da imprensa, mas fundamentalmente com apoio do governo. O futuro do Brasil é esse: aprender, valorizar e divulgar o patrimônio gastronômico cultural brasileiro", acrescenta.

Nesse contexto, ele considera válida qualquer alternativa para popularizar "o cuidado com a escolha dos ingredientes e a maior atenção com a alimentação de qualidade", como fazem muitos reality shows gastronômicos. O chef também relembra que quando começou a carreira em cozinhas, no final dos anos 80, jamais imaginou que seu trabalho lhe renderia capas de revistas como a Time , dos Estados Unidos.

"Naqueles dias, ser um cozinheiro não era um trabalho legal, principalmente no Brasil. A gente tirava a dólmã pra ir fazer compras, não era educado aparecer em lugares usando seu uniforme de trabalho. Hoje, você vai ao shopping e vê chefs de dólmã! É a confirmação de que ser um chef de cozinha se tornou pop", celebra o empreendedor.

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O que é preciso para ser um bom chef?

Alex Atala
Divulgação/Rubens Kato

Alex Atala fala o que é preciso para ser bom chef

Alex Atala coleciona prêmios e aparece na lista de melhores chefs do mundo pelo Best Chef Awards 2018, além de ser um dos finalistas da edição de 2019 da premiação, que ocorre em setembro.

Entretanto, de acordo com ele, ser um chef premiado não pode interferir na rotina de trabalho. "Traz mais responsabilidade, assim como qualquer premiação traz a qualquer restaurante, mas nosso objetivo continua sendo fazer cozinha brasileira, criativa e ousada com os ingredientes maravilhosos que nossa terra produz", ressalta.

O empreendedor revela que um dos segredos para se tornar um bom cozinheiro é não se acomodar e buscar, de modo "incessante", a superação.

"Não se pode sossegar ou acreditar que o que você já fez é o suficiente, mas você deve ser humilde. Não tenha vergonha de perguntar a outro chef como ele fez aquele prato ou dizer em voz alta que você admira outro profissional. É assim que se cresce", aconselha Alex Atala .

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