Lançadas recentemente, obras retomam a culinária caipira, baiana e indígena
Por Cristiana Couto
A Culinária Caipira da Paulistânia é mais um rebento de Carlos Alberto Dória, sociólogo e pesquisador da cozinha brasileira. Desta feita, Dória tem a participação de Marcelo Corrêa Bastos, dos restaurantes Jiquitaia e Vista, em São Paulo.
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O cozinheiro diz que sua colaboração se restringiu “à seleção das receitas” (são 270) e a “algumas reflexões sobre elas e seus ingredientes”. Já o tom argumentativo é estruturado por Dória, voz quase solitária num cenário gastronômico mais afeito ao registro de instantâneos do que à investigação, problematização ou reflexão sobre os nossos modos de comer, do presente ou do passado.
Para propor um novo olhar sobre a cozinha caipira, tão desprezada pelos paulistanos, Dória recupera, a partir de fontes históricas, culinárias e literárias, a história social de sua formação, desequilibrando o velho tripé culinário das influências negra, portuguesa e indígena de nossa cozinha.
Como um desbravador, o autor concentra-se no milho – que perdeu tanto lugar historiográfico para a mandioca –, nos clássicos trabalhos de Darcy Ribeiro e Caio Prado Jr., na cultura de subsistência e de trabalhadores livres, na diversidade dos povos indígenas (com atenção aos guaranis) e de suas práticas culinárias, privilegiando mais os traços comuns do que as diferenças do vasto território que inclui Minas, São Paulo, Mato Grosso e Goiás.
Grandes nomes como Câmara Cascudo e Gilberto Freyre também são revistos, e pesquisas arqueológicas, consideradas. Afinal, há que se perguntar: por que a cozinha caipira se consolidou em patrimônio quase que exclusivamente mineiro e foi tida, em São Paulo, como “coisa de pobre”?.
E tentar recuperar uma história encoberta pela perda da diversidade de ingredientes e do empobrecimento do gosto. Seguindo o caminho da roça, iremos descobrir, afinal, que o Brasil , como dizem os autores, não é longe daqui.
Bahia de todos os gostos
A obra Na Mesa da Baiana é uma grata surpresa, pois trata-se do primeiro livro de receitas de uma veterana da gastronomia , a cozinheira Tereza Paim. Proprietária do famoso Casa de Tereza, no bairro do Rio Vermelho, em Salvador, a chef está há quase duas décadas no ramo.
Fez cursos fora do Brasil e faz uso de técnicas apuradas para dar um toque mais leve às receitas tradicionais da sua região. Não faltam no mercado livros com receitas da Bahia, lançados muito antes da onda de valorização da cozinha brasileira, já que culinária e turismo sempre andaram de mãos dadas no Estado.
Mas a maioria deles foca em pratos do candomblé, e pouca atenção se dá, por exemplo, às comidas do sertão ou da festa de São João, importantíssima no interior, tão entrelaçada à colheita do milho.
Então, delicie-se com ensopado de carneiro, assado de porco, canjica de milho-verde e sequilhos, com as fotos esmeradas dos pratos de Teresa e das paisagens e gentes da Bahia, além dos textos (ainda que, por vezes, um pouco enxutos) de outra veterana, a jornalista Sonia Robatto, sobre as comidas e as tradições dos baianos.
Na Mesa da Baiana – Receitas, histórias, temperos e espírito tipicamente baianos – Teresa Paim e Sonia Robatto – Senac São Paulo (322 págs.) – R$ 61
Visite nossa cozinha
Não se fie no título do livro. Culinária brasileira, muito prazer é uma chamada sem graça, quase infeliz, para uma obra gostosa de ler, e superior aos compilados de ingredientes e receitas nacionais recentemente publicados.
A jornalista Roberta Malta Saldanha, veterana na área (Dicionário tradutor de gastronomia em 6 línguas), acertou ao compilar ingredientes, pratos e receitas do país todo numa organização clara, com verbetes concisos mas precisos e preparos originais.
Vamos lá: o livro é organizado por regiões (ainda que a geopolítica seja discutível em termos de culinária, mas isso é outra questão); a partir delas, Saldanha relaciona, em verbetes (alguns mais extensos), produtos e seus preparos (bebidas, entradas, pratos e sobremesas), ilustrando-os com receitas.
Aqui, destaca-se a sacada de reunir criações de 170 cozinheiros do País – muitos deles reconhecidos em seus locais de origem, mas ainda desconhecidos do grande público, o que sai do padrão desgastado dos chefs-celebridade.
Os pratos, releituras da cozinha tradicional, dão água na boca, mesmo sem fotos – o que, aliás, é preferível nos dias de hoje, seja pela má qualidade dos cliques que impera no mercado editorial, seja pela economia feita em favor de mais informação e preço final acessível.
Culinária brasileira, muito prazer – tradições, ingredientes e 170 receitas de grandes profissionais do país – Roberta Malta Saldanha – Editora Alaúde (512 págs.) – R$ 79,90
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Aprenda com o mestre
Acaba de ser lançada a tradução ao português do livro Coffee with Tim Wendelboe . O barista norueguês, duas vezes campeão mundial, é um dos profissionais mais respeitados do mundo. Proprietário da cafeteria que leva sem nome, em Oslo, é também um fera em torrefação.
O livro foi publicado em 2008, mas nada há de ultrapassado nele, muito pelo contrário. Com uma visão abrangente e inteligente do cenário cafeeiro, Wendelboe toca em temas sensíveis como comércio justo (fair trade) e não faz nenhuma concessão em relação à qualidade – tanto do grão quanto dos equipamentos – ao discorrer sobre métodos de preparo.
Todos os conhecimentos básicos sobre cafés de qualidade estão na obra: colheita, processamento e beneficiamento do café, torra do grão (aliás, o melhor texto sobre o assunto numa obra de grande alcance), termos técnicos e equipamentos, um guia para ajudar o consumidor a escolher cafés especiais e o serviço da bebida.
De quebra, algumas receitas de drinques e de comidinhas para acompanhar um espresso ou coado, oferecidas pelo confeiteiro também norueguês Sverre Sætre. Um livro de culinária obrigatório para baristas, iniciantes na profissão e amantes do café.
Coffee with Tim Wendelboe – Tim Wendelboe – Café Editora (144 págs.) – R$ 90