Sentado no lounge que dá vista para um dos mais frondosos Ficus da Alameda Lorena, em São Paulo, Tsuyoshi Murakami recebeu o iG Receitas para contar o que levou um chef, sócio de um restaurante de culinária japonesa estabelecido e de sucesso, a abrir uma casa de proposta ousada, cardápio mutante e um balcão minimalista para nunca mais que 12 pessoas no coração do tradicional bairro dos Jardins.
“Quero sentir a emoção do que servimos nos olhos de cada um que senta neste balcão”, explicou Murakami , aspirando lentamente o vapor de água, a fim de limpar voz para as conversas com os clientes que reservam suas cadeiras sem saber qual será o cardápio. Ele é impresso e distribuído apenas na abertura da refeição, ao lado de uma diversificada - e também mutante - carta de saquês e vinhos selecionados pelo atento sommelier Ricardo Santinho (ex-D.O.M.).
Leia também: Como harmonizar o saquê? Veja as melhores combinações com peixe, carne e doces
As opções servidas por Murakami no restaurante que leva seu nome são simples e surpreendentes como a arquitetura limpa do projeto de Edilson Fujisawa, que aproveitou a profundidade do terreno da antiga construção paulista para criar um corredor claro e convidativo, que conduz intuitivamente quem entra para o lugar do show: o balcão em frente à cozinha aberta. Não há passo do preparo que não seja feito às vistas de todos.
Do corte dos peixes à criação dos molhos, a coreografia de precisão e entrosamento impressiona até nativos do país onde nasceu essa culinária, tão adaptada ao modelo americano em São Paulo. “Só com ingredientes de primeira se é possível preparar um corte desse”, disse a japonesa Tsune Okubo, de 80 anos, 16 de Brasil, assistindo ao corte de um longo atum mebashi. “Nunca tinha visto isso aqui.”
É como um espetáculo em duas sessões: a primeira, com início pontual às 18h, e a segunda, às 21h. Murakami conta que foi desencorajado pelos amigos a começar o jantar antes de o Sol se pôr, algo, de fato, distante dos hábitos dos brasileiros e mais ainda dos paulistanos, cada vez mais presos em engarrafamentos no final do dia. Mas insistiu. “Gosto da ideia de propiciar a chance das pessoas voltarem para casa para se amar e dormir. Ninguém ama ou dorme de barriga cheia”, ensina.
No dia da visita do iG, o menu das 18h foi aberto com sashimi de robalo com umeboshi e mini alcaparras no azeite Olibi, de produção limitada, seguido por sashimi de atum mebachi com molho de missô e lamem gelado com ouriço do mar. Para quem opta pelas sugestões de harmonização de Santinho (infalíveis), cada etapa chega com saquê ou vinho apropriados para a melhor experiência com o prato. E, de quebra, aulas sobre a produção de cada uma das bebidas, que renderiam um texto à parte.
O ápice da noite, porém, foi a quebra do frescor marinho pelo calor da grelha em carvão, onde o chef preparou uma surpreendente (até para os nipônicos presentes) língua de Wagyu grelhada na companhia de limão sisciliano e pitada de pimentas japonesas. “Menos é mais e melhor”, diz Murakami, que tem esse hábito de recriar aforismos e frases prontas.
Leia também: Extremamente restrita, "melhor cerveja do mundo" será vendida online
O ideograma escolhido como logomarca da casa quer dizer vazio. O conceito é simples: o restaurante recomeça do zero todos os dias, com novos ingredientes, novas receitas, rótulos diferentes de saquês e vinhos. Até o PH da água muda de acordo com o que será servido. “Só o casamento não muda”, provoca Murakami , tirando um sorriso de Suzana, sua esposa, que com ele e o filho Jun, operam juntos o restaurante, em uma versão atualizada e divertida da “cozinha de família”.