Como fazer um bom cordeiro

Da limpeza ao tempero e cozimento da carne, veja dicas para acertar o preparo do stinco (canela) de cordeiro

Foto: Edu Cesar/Foto Arena
Stinco de cordeiro, do Arábia: depois de quatro horas de cozimento, a carne se desprende do osso

Quinta-feira é dia de cordeiro no restaurante Arábia, em São Paulo, um dos mais tradicionais da cidade nesta categoria. No cardápio, estrela um suculento e bem temperado stinco (canela), acompanhado de trigo e grão de bico. A peça de carne, cozida por quatro horas e servida com o osso, assusta um pouco no tamanho. Comê-la, no entanto, não requer nenhum esforço. O garfo desprende as fibras do osso com facilidade, enquanto a faca, mera figurante, repousa sobre a mesa. É uma tarefa tão extenuante quanto despetalar uma flor.

Quando pode, a chef da casa Leila Kuczynski faz questão de percorrer as mesas oferecendo aos clientes o tal prato do dia. Costuma ouvir vários “sim”, mas também recebe como resposta uma cara feia aqui, um “não” acolá e réplicas desconfiadas do tipo “o cordeiro tem um cheiro muito forte” ou “a carne é adocicada demais”. Leila não desiste – e aproveita para testar suas habilidades como psicóloga, sua formação oficial. “Experimente. Se não gostar nós trocamos o pedido”, tenta persuadir a chef. Segundo ela, o saldo da abordagem é sempre positivo: “Ninguém nunca devolveu o prato e a maioria volta para comê-lo de novo. É uma descoberta para muita gente”, diz satisfeita.

Desde a Antiguidade, o cordeiro é uma das receitas mais conhecidas da cozinha árabe. Leila lembra que durante sua infância no Vale de Bekaa, região fértil do Líbano, a cerca de 30 quilômetros de Beirute, a família se reunia em casamentos e aniversários para comer cordeiro: “Mamãe fazia o animal inteiro, recheado de arroz e amêndoas. Papai gostava das costelas, das tripas e do miolo”.

Historicamente, ele é mesmo um prato festivo. Para os fenícios, o consumo desta carne devia ser limitado e reservado, sobretudo à mesa real e às cerimônias do culto. Na Grécia Antiga, era a peça mais importante da mesa. Também em Roma, os banquetes dispunham do animal inteiro e recheado.

No Brasil, a história é outra. Por aqui, o reinado sempre foi do cabrito, cria da cabra e do bode, espécies naturalmente adequadas ao nosso clima quente, registrou o historiador Luís da Câmara Cascudo. Ele a descreve como uma carne vermelha intensa, rústica e de gordura amarelada. De outro lado, nossa tímida criação de cordeiro, que é o filhote do carneiro com a ovelha, esteve ligada apenas à extração de lã, não ao abate. Somente a partir de 1980 sua carne, de cor rosada, sabor adocicado e de gordura clara, começou a ser valorizada na cozinha brasileira. Hoje a criação nacional ainda é pequena e boa parte dos cordeiros que comemos vem do Uruguai, um dos maiores exportadores da categoria. A qualidade reconhecida de seu produto tem interferência direta das condições climáticas e de relevo favoráveis à criação de raças específicas para o consumo, como a Ille de France e a Texel.

Limpeza, tempero e cozimento
A falta de tradição do cordeiro na mesa dos brasileiros justifica, em parte, as caretas precipitadas de quem não tem muita intimidade com a carne. Mas há outra razão, tão ou mais importante, para esta recusa: o cheiro pungente.

“O cordeiro possui glândulas nas patas dianteiras e traseiras que exalam um forte odor, especialmente durante o período de reprodução do animal”, explica Karla Beltrão, diretora da Cardápio Distribuidora de Alimentos, empresa pernambucana, com filial em São Paulo, especializada na criação e na distribuição de cortes de cabrito e de cordeiro. Ela conta que há duas maneiras de amenizar esse “incômodo”. A primeira é castrar os animais, assim, a função das glândulas diminui e, consequentemente, o cheiro que elas produzem. A outra é extrair as glândulas, medida que pode ser tomada no momento do abate do animal ou, quando isso não ocorre, na cozinha de casa, antes de levar a carne para o fogo. “Elas ficam próximas ao osso e medem cerca de três centímetros. São cobertas por uma capa de gordura e aparecem apenas no pernil, no stinco e na paleta”, esclarece Karla, que distribui peças de cordeiro para restaurantes como o Antiquarius, no Rio de Janeiro, e o Gero e o Arábia, em São Paulo.

Mas nem todos são adeptos dessa “limpeza” da carne. Karla conta que no Uruguai não é costume retirar a glândula antes do cozimento: “Os uruguaios gostam de comer carneiro com cheiro e gosto de carneiro”, afirma ela. No quesito sabor, entram em cena os temperos. Uns usam louro, alecrim, hortelã, pimenta síria, zimbro, cravo, canela e mais um sem fim de condimentos. Há quem aprecie a carne com pouco tempero, para que as suas características se mantenham. “É uma escolha. A minha é quase sempre manter a carne em sua condição normal, usando apenas sal e pimenta, para poder sentir o adocicado natural da carne, que é o grande diferencial dela”, revela Leila Kuczynski.

Sobre o cozimento, assim como ocorre com as peças bovinas, há especificidades para cada corte do cordeiro. A paleta, o pernil, a costela e o stinco apresentam fibras grossas e por isso devem ser preparados em calor úmido (com vapor), fogo brando e tempo prolongado – de três a quatro horas. De preparo mais fácil e rápido, o lombo pode ser assado no forno ou, assim como filé mignon, grelhado, mas sempre brevemente para que fique malpassado ou ao ponto, estágios em que mais se tira proveito da textura, do sabor e da suculência da carne.

Como se faz stinco de cordeiro
São muitos os cortes e muitos os tipos de preparo. O iG Comida acompanhou a elaboração do stinco de cordeiro do Arábia, citado no início da reportagem. Da limpeza da carne no açougue, passando pelo tempero e cozimento prolongados das peças, até a finalização do prato, flagramos o passo a passo para uma receita de cordeiro de sucesso. Confira na galeria abaixo:

Receita de stinco de cordeiro
Da chef Leila Kuczynski, do restaurante Arábia, em São Paulo
Rendimento: 2 porções

Ingredientes
2 stincos de cordeiro (400g cada)
1 colher (chá) de sal
1/2 xícara (chá) de óleo de milho
1 colher (chá) de alho socado
1 colher (chá) de pimenta branca moída
1/2 xícara (chá) de vinagre de vinho tinto
2 litros de caldo de galinha

Modo de preparo
Limpe o stinco retirando a camada superficial de gordura e glândula, que fica entre o osso e a carne. Misture todos os temperos e espalhe sobre as peças. Deixe marinar por, no mínimo, doze horas. Depois desse tempo, aqueça um pouco de óleo em uma panela funda e sele as peças. A intenção é deixá-las douradas por fora para manter a umidade interna.Quando estiverem dourados, regue os stincos com um pouco do caldo de galinha (cerca de 150ml). Tampe a panela e reduza o fogo. Quando o caldo estiver secando, reponha com mais uma porção de 150ml, vire as peças e tampe novamente a panela. Repita o processo durante três ou quatro horas, até usar todo o caldo. No final, aproveite o fundo da panela para regar as peças na hora de servir.

Serviço
Arábia
. Rua Haddock Lobo, 1397, Jardim Paulista, São Paulo, (11) 3061-2203
Cardápio Dist. de Alimentos . Rua Três de Maio, 273, Vila Clementino, São Paulo (11) 3807-8022; Rodovia Monte das Tabocas, Km 7, Vitória de Santo Antão, Pernambuco (81) 3523-2996

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